quarta-feira, novembro 25, 2009

Caçar piratas compensa?


Nem sempre é evidente, mas fazer música dá trabalho. E todo o trabalho pressupõe dinheiro. Durante décadas, melómanos de todo o mundo habituaram-se a ver uma minoria de empresários e editoras a pagar pelo trabalho de músicos de todos os gostos.

Assim se fizeram grandes fortunas entre os líderes das editoras e também entre a minoria de músicos que chegou à ribalta. Por vezes, esta relação de forças era alterada - por motivos financeiros, técnicos ou estéticos, um músico ou uma banda podiam "chatear-se" com uma editora, mas não tinham outra alternativa, se não procurar uma editora concorrente ou, o que aconteceu mais raramente, criar a sua própria editora e assim enveredar pelo denominado circuito independente.




No final dos anos 90, foi dado o primeiro "tiro no porta-aviões" das editoras com o lançamento do Napster, o primeiro grande site de partilha de ficheiros (P2P), que permitia copiar e distribuir músicas, sem qualquer controlo ou compensação financeira para autores e editoras.
A indústria musical não tardou a reagir: primeiro com mega-processos contra os sites de P2P, depois com mega-processos contra os utilizadores dos sites (nos EUA, houve condenações de centenas de milhares de dólares) e por fim, com uma guinada estratégica que levou ao estabelecimento de acordos com lojas como a iTunes e a Nokia Music Store ou mesmo a compra de portais P2P que antes eram considerados piratas.
Face à iminente avalanche de processos, governos de vários países decidiram tomar as medidas preventivas contra o P2P, com a revisão das penas para o crime da pirataria. Em França, o Governo de Sarkozy propôs o original corte do acesso à Net com a lei Hadopi. A lei nunca se livrou da polémica , mas no Reino Unido já começou a ser ponderada como alternativa a ter em conta.
As grandes editoras aplaudem as iniciativas de corte de acesso à Net para piratas, mas entre os "trabalhadores" da indústria musical britânica já começaram a fazer-se ouvir as primeiras vozes contra.
Num comunicado conjunto , a Associação de Artistas Profissionais, a Associação de Produtores de Música e a Academia Britânica de Autores de Música deram o mote, que também pode ser entendido como um grito de revolta contra as grandes labels. Ed O'Brien, guitarrista dos Radiohead, deu o rosto ao manifesto: "Eles vão dar início a uma guerra que não podem ganhar". Dave Rowntree, baterista dos Blur, também não quis ficar de fora: "Não queremos fazer inimigos entre os nossos fãs".
Com algumas décadas de atraso, os manifestos estéticos e "independentistas" dos músicos começam agora a produzir efeito - não tanto pelas força das teorias, mas pelos meios técnicos que hoje estão ao dispor em qualquer lar da classe média.
As grandes editoras lembram que a pirataria dos P2P distribui gratuitamente produtos com direitos de autor registados, provoca um rombo nas receitas, e põe em risco vários postos de trabalho. Todos estes argumentos são legítimos, genuínos e pertinentes, mas não invalidam o facto de, hoje, uma parte dos sucessos musicais já não ser "fabricada" pela indústria, que perdeu parte do poder de decidir o que é editável ou escutável.
Hoje, qualquer banda de garagem pode disponibilizar os seus trabalhos nos YouTubes e nos Pirates Bays deste mundo e rezar para ser um dos eleitos para o passeio da fama. Já aconteceu por mais de uma vez: lá fora, os Artic Monkeys são o exemplo emblemático; em Portugal, fenómenos caricatos como Cebola Mol ou Zé Cabra, ou mais profissionais, como Ana Free, confirmam que é possível. Tudo isto com um pormenor nada dispiciendo: as tecnologias estão mais sofisticadas e baratas, e as gerações jovens que cresceram com elas não precisam de um grande esforço de formação para produzir uma maquete respeitável, pronta para consumo.
Em Portugal, a lei do corte de acesso à Net já começou a ser aflorada. Não sou especialista no assunto, nem quero apontar uma solução. Deixo apenas algumas questões:
1) como é que as autoridades vão distinguir downloads piratas de downloads legais (sim, porque também os há nos P2P)?
2) as editoras querem condenar piratas do P2P ou estão apenas a tentar encontrar uma forma de continuar a controlar o que se ouve?
3) se a Net provoca prejuízos com a cópia pirata, por que não aplicar um imposto marginal nos custos de telecomunicações que é encaminhado para produtores de conteúdos, à semelhança do que já se faz com a "antiga" rádio e com os CD virgens?

Independentemente das respostas, uma coisa é certa: Os hábitos de consumo dos melómanos mudaram. Queiram ou não, tenham ou não razão, as editoras vão ter de mudar também.

Notícia escrita por: Hugo Séneca
14 de Setembro de 2009
Fonte: http://clix.exameinformatica.pt/revolucao-digital=s25126

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